A verdade é que ser uma bruxa é algo extraordinário. Às vezes pode parecer que somos simplesmente estranhas e diferentes, mas a verdade é que somos incríveis. Somos parte da terra e do céu. Nossas veias ecoam os padrões de rios e raízes. Existem raios de sol e luar nos nossos ossos.
Mika Moon conhece poucas bruxas e convive com nenhuma.
Essa é uma das principais Regras a serem seguidas por mulheres que compartilham da mesma magia que ela: não passar nada além de algumas horas juntas no mesmo lugar. Não contar a ninguém sobre seus poderes é outra. Sendo assim, impedida do convívio com suas semelhantes e incapaz de criar laços com pessoas com as quais não poderia compartilhar um fato tão importante sobre a sua existência, Mika Moon optou por uma vida solitária.
Aos 31 anos, a protagonista nunca passa mais do que alguns meses morando num mesmo local e evita ao máximo apegar-se a qualquer coisa que não sejam suas plantas, seus peixes e Circe, a simpática golden retriever sob seus cuidados.
Apesar do que a descrição possa sugerir, Mika não é uma pessoa fria ou amarga. Bem-humorada, a mulher sempre tenta enxergar as situações pelo lado bom e é profundamente apaixonada pela magia com a qual nasceu e é por isso que ela se permite um hobby que considera inofensivo: através da sua rede social, Mika posta vídeos sobre poções e feitiços. Pela lógica da protagonista, são tantos aqueles que fingem serem dotados de magia e criam conteúdos semelhantes ao dela, que ninguém jamais iria suspeitar da sua verdadeira natureza. Então, é uma grande surpresa quando alguém finalmente o faz.
Ian é um energético senhorzinho que encontra em Mika um fio de esperança para um grande problema que ele e sua família estão prestes a enfrentar. Por meio de uma mensagem que não oferece muitos detalhes, ele faz a Mika uma oferta de emprego inusitada e cruza os dedos para que a bruxa a aceite.
Desconfiada, mas vencida pela curiosidade, a mulher vai de encontro a todos os avisos sob os quais viveu até ali e aceita conhecer e escutar a história por trás do pedido desesperado que recebe e o que encontra é algo que ela jamais imaginou ser possível.
Em uma casa devidamente escondida, Mika conhece uma família nada tradicional, mas repleta de amor. Além de Ian, na chamada Casa de Lugar Nenhum vivem Ken, Lucie e Jamie. Eles são os responsáveis não apenas por cuidar da propriedade, mas também pela criação de Rosetta, Terracotta e Altamira. As três crianças bruxas que Mika fora contratada para tutelar e ensinar magia.
A sociedade supersecreta de bruxas rebeldes foi uma das fantasias mais bonitas que eu já tive o prazer de ler. Com a proposta semelhante a da obra de TJ Klune, A Casa no Mar Cerúleo, a história de Mika e dos habitantes da Casa de Lugar Nenhum é de deixar qualquer leitor com um sorriso no rosto e um quentinho no coração.
Engraçada e emocionante, a narrativa te leva das risadas às lágrimas e foi escrita e desenvolvida de forma tão simples que isso apenas facilita o apego do leitor aos personagens criados por Sangu Mandanna.
Enquanto Ian e seu marido, Ken, formam uma dupla amorosa, gentil e alegre; Lucie, que chegara até a casa como governanta, mas hoje é uma moradora permanente e parte da família, é uma mulher de meia idade que, apesar do sorriso fácil e do cuidado com todos, é bem mais comedida, procurando observar as situações por todos os ângulos antes de tomar qualquer decisão. Já Jamie, o bibliotecário e figura paterna das garotas, é um homem de 36 anos com um humor rabugento, uma desconfiança natural sobre todos e uma leve implicância com a chegada de Mika.
Mas a principal preocupação da nova moradora é com as garotas. Mika cresceu escutando que bruxas não deveriam passar muito tempo juntas, quanto mais morar na mesma casa. Além do perigo que o acúmulo de poder pode representar, as meninas são muito novas e rompantes de magia são comuns por parte daquelas que ainda não sabem controlar suas habilidades.
Assim como todas as bruxas, Mika é órfã. Adotada por Primrose - a bruxa considerada a mais sábia dentre àquelas que ela conhece e principal defensora das Regras -, mas criada por inúmeras babás e tutores que nunca passavam mais que algumas semanas com ela, Mika sabe como é ter uma existência solitária. Ao conhecer Rosetta, Altamira e Terracotta e a vida feliz e cheia de amor que elas levam, a protagonista sente que é seu dever garantir que ninguém as separe e nem as afastem dos seus familiares.
A aproximação entre ela e os moradores da Casa de Lugar Nenhum é fácil e tranquila. Todos ali são gentis e tudo que mais querem é que Mika se sinta acolhida. Bom, todos exceto Jamie e Terracotta.
Terracotta é um caso a parte, uma birra infantil com a desconhecida que irá lhe ensinar magia e que, na visão dela, representa uma ameaça à segurança da sua família. Jamie, aos 36 anos, pensa quase igual a sua protegida de 8 anos. Exceto que ele sabe muito mais.
Ele é o típico personagem cujo mal humor e a cara feia não duram mais que alguns poucos minutos. É leal e bondoso e, já na sinopse, somos avisadas sobre um possível envolvimento entre a novata e o bibliotecário, mas esse não é o foco do livro, apesar do romance entre os dois ser bem fofinho e super digno de nota.
Todos os personagens têm sua dose de melancolia e todos têm seus segredos. A história de vida de cada um deixa claro os desafios enfrentados por esse grupo incomum que encontrou o conceito de família onde menos esperavam. A Casa de Lugar Nenhum é cheia de vida, de barulho e de felicidade. As crianças amam e são amadas e Mika tem a esperança de que elas possam crescer com todo o apoio que a ela foi negado. E, quem sabe, encontrar ali um espaço para que ela finalmente possa ter tudo o que sempre sonhou, mas abriu mão em prol das Regras.
Eu amei demais essa obra e achei muito injusto que ela seja tão curta. Que tenha acabado tão rápido e que não tenha mais. Eu poderia ler mil páginas sobre a Casa de Lugar Nenhum e ainda assim não enjoaria. Se você está em busca de um livro que te fará feliz, esse aqui é a escolha perfeita.
É um salto de fé amar as pessoas e se permitir ser amado. É fechar os olhos, pular de um penhasco e acreditar que vai voar em vez de cair. Não posso pular por você, Mika. É algo que só você pode fazer. E eu sei que você vai. Talvez não agora, mas eu te conheço. Mais cedo ou mais tarde, você vai voar.